quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Intragável*

Por telefone, mais uma vez, lá estava ela ouvindo as lamúrias de seu amigo, um jovem desempregado: - Larga disso! Você reclama demais. As coisas não aparecem fáceis assim, tem que persistir, esse pessimismo não vai te levar a lugar nenhum. Do outro lado da linha, o rapaz, ansioso, apaga com o sapato o terceiro cigarro consecutivo. O que sua amiga lhe diz é o que as outras pessoas a quem costuma recorrer também lhe dizem, mas ele é o infeliz proprietário de um desses ânimos inconstantes, que variam como um plasma viscoso, uma hora preenchendo o lado da euforia, para instantes depois preencher o lado da disforia, e embora admita com muita relutância os conselhos que ganha, assim que desligar o telefone irá deixar-se levar novamente pelo embalo de suas frustrações. Fica mais alguns minutos na linha, escuta a amiga discorrer sobre histórias da vida alheia e se despedem. Sua namorada não virá esta noite, vai ficar em casa estudando. Tenta se distrair, pensar em coisas boas. Liga a TV; desliga a TV. Resolve telefonar para outro amigo: - Cara, nem dá, amanhã vai ser a maior correria. Depois a gente se fala. Abraço! Sozinho e desconsolado, o rapaz vai se deitar, chorando.

Ela, por sua vez, recebe o telefone de uma amiga; em dez minutos está pronta. Liga para chamar o amigo, mas ninguém atende. As duas saem, encontram outras pessoas, até conversam sobre o caso do rapaz: - Mas isso é fase, eu também já passei por uma dessas; tem que aguentar firme e pensar positivo, aí logo as coisas melhoram. E a turma segue noite adentro, rindo das histórias que a moça contava.

.

2 comentários:

  1. Cara, já havia me chamado a atenção o seu lance de "brincar" com os protagonistas da história. É como se todos os contos tivessem seus personagens prnicipais, mas você, com a forma não só bela mas também muitíssimo ampla de ver a vida, consegue tranquilamente descrever com precisão dois mundos e dois pontos de vista distintos, pessoas e seus universos distintos, por mais que se interseccionem. Meus parabéns! É genial poder viajar por diferentes olhos num mesmo texto! E que saudade, meu amigo!

    ResponderExcluir
  2. Pôxa, Rubinho, brigadão... .

    Que bom que você curtiu e consegiu aproveitar alguns movimentos da situação no texto, mas vou tá tando te confessando que tem sido um desafio pra mim conseguir desenvolver estas cenas, tranformar idéias em ficção. É treta. Textos que lidam mais com a idéia in bruto, como o que vem a seguir, saem muito mais naturalmente, o complicado pra mim é criar uma situação a partir de algumas idéias, como as de inconstância, pessimismo/otimismo, contexto pessoal, ("ria, e o mundo inteiro rirá com você, chore, e chorará sozinho") etc. que deram origem a este contículo.


    Quem dera poder conversar pessoalmente...

    Away!

    ResponderExcluir