sábado, 30 de abril de 2011

Cigarro*





É algo por volta da meia-noite. Ao longe, na parte alta de uma rua escura, a sombra de um homem vem se aproximando. São passos apressados e desordenados, que de repente descambam abruptamente para um dos lados e, nervosamente, voltam ao centro. Conforme chega perto e é possível ver o seu rosto, consigo reconhecer algumas lágrimas e uma expressão bastante desolada. Passou por mim resmungando surdamente alguma coisa e fumando um cigarro. Pude ver que tinha dedos finos e um cabelo meio grande e despenteado; não dava para ver a cor dos olhos, apenas o brilho vermelho do cigarro aceso. Eu tinha ido comprar um cigarro, estava com calor e sem sono, meio agoniado. Esse homem me fez pensar no quanto a vida é frágil e o desespero, eminente. Vejo este homem saindo de casa e batendo a porta com força. Tinha brigado com a mulher, saiu só de shorts, camiseta e chinelo. Mas isso adivinhei quando ele passou por mim. Eu havia ido apenas comprar um cigarro, e só agora percebo que também não me lembrava onde estava, tinha saído de casa sem saber onde poderia ter cigarro para vender àquela hora; agora, não sei se ia voltar ou continuar andando até encontrar alguma coisa aberta. Apenas acordei na cama no dia seguinte. Tomei um café e fumei um cigarro, pensando na imagem desse homem.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Suburbia*

Eu me sinto oco
e penso no sentimento
que me faz igual a todos os outros
moradores de subúrbio espalhados pelo mundo.

Quando a noite cai e o céu ainda é lilás,
as luzes dos postes iluminam as ruas que cruzam
o conjunto de prédios – e do interior de alguns apartamentos
emanam ruídos de televisores; das calçadas, ouvem-se os desvarios
                                                             [de jovens despreocupados.

Aos poucos, cada apartamento é preenchido por um total de vidas
que percorreram as ruas do centro ou em pé permaneceram atrás de balcões,
esteiras de fábricas, ou sentadas em cadeiras de colégios,
construindo um cotidiano ordinário e imperceptível
– mas extremamente útil, porque é assim que se engana a morte.

Somos todos iguais,
irmãos reunidos por uma mesma realidade,
pois tenho certeza que em algum lugar do México,
ou da Indochina,
um rapaz de cabelo curto e olhos negros
fuma, sem camisa, seu cigarro na sacada de um pequeno apartamento
e vê a surda sinfonia que fazem as luzes apagadas e acesas dos outros prédios.

O ônibus de todas as manhãs é também para ele
um animal sagrado que carrega em seu bojo a tola epifania
de uma multidão de pessoas que todos os dias sonham acordadas
esperando por sua chegada como em uma procissão estagnada
                                                       [no mesmo lugar de sempre.

Na sala, uma mulher sentada no escuro é iluminada apenas
pelo reflexo azul das luzes da televisão, visto de longe por alguém
em qualquer uma das sacadas, do México, ou do mundo.

O rapaz termina o seu cigarro,
olha uma última vez para as lajotas da rua,
é noite e as vozes vão diminuindo até que um silêncio
preenchido de leves ruídos anuncia o momento de se preparar
para mais um dia de trabalho.

Este silêncio é a imagem do subúrbio.

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