terça-feira, 19 de abril de 2011

Suburbia*

Eu me sinto oco
e penso no sentimento
que me faz igual a todos os outros
moradores de subúrbio espalhados pelo mundo.

Quando a noite cai e o céu ainda é lilás,
as luzes dos postes iluminam as ruas que cruzam
o conjunto de prédios – e do interior de alguns apartamentos
emanam ruídos de televisores; das calçadas, ouvem-se os desvarios
                                                             [de jovens despreocupados.

Aos poucos, cada apartamento é preenchido por um total de vidas
que percorreram as ruas do centro ou em pé permaneceram atrás de balcões,
esteiras de fábricas, ou sentadas em cadeiras de colégios,
construindo um cotidiano ordinário e imperceptível
– mas extremamente útil, porque é assim que se engana a morte.

Somos todos iguais,
irmãos reunidos por uma mesma realidade,
pois tenho certeza que em algum lugar do México,
ou da Indochina,
um rapaz de cabelo curto e olhos negros
fuma, sem camisa, seu cigarro na sacada de um pequeno apartamento
e vê a surda sinfonia que fazem as luzes apagadas e acesas dos outros prédios.

O ônibus de todas as manhãs é também para ele
um animal sagrado que carrega em seu bojo a tola epifania
de uma multidão de pessoas que todos os dias sonham acordadas
esperando por sua chegada como em uma procissão estagnada
                                                       [no mesmo lugar de sempre.

Na sala, uma mulher sentada no escuro é iluminada apenas
pelo reflexo azul das luzes da televisão, visto de longe por alguém
em qualquer uma das sacadas, do México, ou do mundo.

O rapaz termina o seu cigarro,
olha uma última vez para as lajotas da rua,
é noite e as vozes vão diminuindo até que um silêncio
preenchido de leves ruídos anuncia o momento de se preparar
para mais um dia de trabalho.

Este silêncio é a imagem do subúrbio.

.

3 comentários:

  1. Adorei o texto:)
    Além das ótimas descrições, dessa vez teve algo de diferente na linguagem (comparando com seus outros textos), que me fez gostar ainda mais dele.

    Ass: Moradora do subúrbio

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  2. Olás.
    Achei bem foda este poema. Sem comparações, mas com alguma analogia, me lembrou aqueles poetas que marcam seu tempo ao fazerem sua leitura da realidade, captando o clima da época, fazendo parte do cenário, também personagem dele. Assim como você citou lá na minha "casa" (rsrs), seus escritos tem sua cara e assinatura peculiares. Acho digno de nota que isso é uma conquista pessoal, merecida, e que tem o mérito de nos impulsionar para continuar construindo linguagens, sentimentos e percepções sobre nosso mundo e imaginário; nossa contribuição para nossa cultura, sem que isso pareça prepotência ou mediocridade, na medida de nosso esforço e sinceridade, sem comparações ou engrandecimentos
    tolos. Muitas vezes me senti tocado por textos seus, do Rodrigo, etc., de forma mais intensa e profunda que autores clássicos ou vetores culturais consagrados por todos.
    Continue sempre escrevendo e mostrando como você vê o mundo, exponha seu imaginário, eu tenho interesse em saber como são e tenho certeza que outras pessoas concordam com isso.
    ^^
    Grande Abraço.

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  3. Consegui identificar aquele Drummond, de passos vagarosos e braços caídos, porém nunca com as mãos atadas, ante o amanhã de sempre.

    E é um poema visual, onde não há como não montar um mosaico - ou ainda um curta - com todas as cenas e com seus personagens diferente, se intercalando enquanto protagonistas desse eterno palco, como diria Shakespeare.

    E sempre que me pego com a mania besta de comentar aqui o quanto me lembro de cenas como essas no 44, e do quanto tudo aquilo me trouxe tanta coisa. Incluindo a audição - com as luzes apagadas e a alma se esvaindo pelo sono - da música que você descreveu, tão perfeitamente, em seu comentário em meu último post. (Acredite... Sua conclusão foi perfeita, e ao mesmo tempo eu cheguei o mais perto possível de sentir aquilo)

    Saudades, querido amigo!

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