segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A Hora Mágica*

O cotidiano se abre
e o vento vai uivando...
fazendo vibrar as cortinas
deixando a luz da tarde entrar,
um perfeito tom de amarelo
a refletir-se nas paredes.

Os olhos querem fechar
respirando fundo...
até parar a máquina do mundo
e tudo fazer sentido.

Há um chão por varrer
e o corpo anuncia
que o dia da dor está por vir.

Permeando os pensamentos,
a música vai embalando a tarde.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Pequenos Eventos*

Estes pequenos eventos
que compõem o cotidiano...
aventuras reais que merecem
os favores da memória;
pouquíssimo heroicos
e muitíssimo ordinários
- do tipo de ter que pagar contas,
trabalhar, percorrer ruas, estudar,
tentando viver, enfrentando bandidos.

Dos finais, ainda que feliz
preenche-se o espaço de vida
entre os pontos finais.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Mulheres*

(Repost 29.11.07)

"Há quanto tempo!" E mais uma vez, cruzando um dos inúmeros corredores dos inúmeros prédios habitualmente frequentados, lá estava ele, um velho amigo: presente aparentemente fortuito, gratificação dada pelo Acaso ao encontro de incontáveis pequenos e distantes fazeres que levaram a essa feliz co-incidência entre dois mundos diversos interligados entre si.

Papo vem, papo vai, enquanto procurávamos saber notícias um do outro, até que, obviamente, surge o assunto primordial e inevitável, o qual concluiu aforismando meu amigo: "Mulher só traz sofrimento". Raro ou tolo é o homem capaz de refutar um argumento tão poderoso e que dispensa maiores demonstrações: cada um de nós, que concordou convictamente com seu varonato, em algum ou vários momentos - há aqueles que padecem a vida inteira -, já sofreram de amores por uma moça.

Em verdade, essa qualidade inerente, de causa de sofrimentos, atribuída às mulheres pouco mudou desde Pandora e Eva: fonte dos males, das doenças e pecados, cobras, sereias, insensíveis, cruéis e mais uma longuíssima lista que demonstra todo o temor do homem diante desse ser magnífico, capaz de despertar em nós o que há de mais intenso, seja isso bom ou ruim.

No entanto, nem é preciso uma atenção muito grande para cuidar que essas mesmas qualidades podem ser perfeitamente atribuídas a qualquer um, homem ou mulher, independente do gênero: que se oponha a isto quem não tiver no seu convívio um homem histérico, sentimental, vaidoso; e do outro lado, uma mulher grosseira, forte, que ame futebol e encare o sexo como uma necessidade biológica. Ou esse é um sinal do fim dos tempos, ou não é mais possível que, por preguiça, vaidade, machismo, ou qualquer outro atrofiamento das idéias, acreditar piamente que existam qualidades morais ou naturais que distinguem seguramente os homens das mulheres, sendo que a principal característica destas seria a responsabilidade pelo sofrimento e desamor daqueles.

E nesse ponto, pensar a responsabilidade de cada um sobre seus próprios sentimentos e sofrimentos ajuda a levar a questão para ainda mais além do gênero. Pois é à nossa admiração e encanto por essas mulheres que agregamos um dos sentimentos mais terríveis, contido e banalizado em todos, que é o sentimento de posse. Precisamos, prejudicialmente, possuir aquele encanto supremo, que muitas vezes dá sentido à própria vida, na esperança de preservar eternamente a enorme felicidade do encontro com esse ser que nos parece esplêndido. Assim agimos com tudo o que nos comove íntima e sublimemente; assim desejamos aprisionar a liberdade do voo dos pássaros em gaiolas; assim desejamos conservar a beleza das flores em vasos, mesmo sabendo que logo morrerão: um erro. Portanto, é à nossa vaidade e egoísmo que, juntamente com todas as nossas outras disposições ao próprio sofrimento, devemos responsabilizar, e não às mulheres, ou aos homens, afinal, somos todos igualmente humanos e as qualidades e valores não são fixos e inerentes podendo ser aplicados a ambos os sexos.

Esse, contudo, não é o aprendizado mais difícil que se apresenta ao delicioso desvendar do feminino, pois não admitir que nele haja algo de mágico, uma característica única e fascinante da mulher, seria mais uma prova de equívoco e ingenuidade. Mas, infelizmente, para o conhecimento desse mistério, nem mesmo a mais elevada poesia foi capaz de encontrar uma definição que desse conta de tamanha exuberância. Aos sábios, que souberam reconhecer nessa indefinição de atração irresistível a própria manifestação da vida, em toda sua natural razão, volúpia, beleza e intensidade, é concedido um instante de contemplação e deleite do que pode haver de mais significativo em toda a existência.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Serenata*

(Repost 26.12.07)

Serenata. Palavra bonita. Sonora, sutil e musical; boa de se pronunciar: serenata. E além de designar a cantoria dos apaixonados, descobri recentemente que este também é o nome de um remédio, mais precisamente, de um antidepressivo. Achei curioso, impossível não me perguntar o que faz um nome tão bonito em um remédio, ainda mais em um antidepressivo. Que coisa. O que teria levado um químico, ou a empresa dona do fármaco, a dar-lhe justamente esse nome? Serenata. Terá sido um nome escolhido ao acaso? Duvido. Não só o acaso é algo muito discutível, como a sabedoria comercial de uma indústria de magnitudes globais, como a farmacêutica, nunca permitiria que seu produto deixasse de receber um nome convenientemente lucrativo.

Minha hipótese, ingênua e fantasiosa, é a que este químico, ou por já ter sofrido de amores, ou por ser possuidor de um terrível sarcasmo, deu este nome ao antidepressivo em alusão àquelas cantorias ao pé de janelas, querendo com isso insinuar que a depressão nada mais é do que o resultado de uma profunda e mortífera frustração emocional, que por sua vez, não passa de um amor mal resolvido.

Químico espertinho, e maldoso, caçoando dos trovadores malsucedidos, sugerindo que seu remédio seja a música capaz de curar os loucos do coração. Nem mesmo Machado, por incrível que pareça, foi tão irônico, e chamou seu ambicionado antidepressivo, cura para o melancólico vazio universal, simplesmente, de Emplasto Brás-Cubas.

É uma hipótese. Mas, de uma coisa podemos ter certeza: a medicina avança não só na cura dos males da alma e do coração, mas também na escolha do nome que dá aos seus produtos, pois confesso que entre um antidepressivo chamado Emplasto Brás-Cubas e outro chamado Serenata, eu certamente escolheria o segundo: Serenata!