terça-feira, 21 de abril de 2009

O Barco*

Vi de longe a pintura de um homem
Que arrasta sozinho um barco na praia,
Puxando uma corda apoiada no ombro,
Deixando para trás uma trilha na areia.

Parava se livrando do suor,
Protegendo os olhos do sol com a mão,
Virava-se de costas
E avistava o caminho percorrido.

A paisagem era linda e estendia
Seus contornos indefinidamente
- O azul ao fundo,
E os dois lados perdidos à distância.

O barco não seguia pelo mar
- O que se via era  o esforço
Do homem puxando o barco
Nas cores de um belo quadro.


sexta-feira, 17 de abril de 2009

Perdendo o Sentido*

As palavras perdem o sentido e ninguém se importa.
São esquecidas aos poucos
Até desaparecer da nossa boca.

As pessoas perdem o sentido e lamentamos.
São esquecidas aos poucos
Até desaparecer da nossa vida.

Procura-se triste, desesperado
A pessoa que só existe no passado
- Era o único sentido.

Agora não tem palavra
Não tem descanso
Se esconde junto aos significados incompreensíveis.

A palavra morta, que não deixou de existir
Guarda ainda um significado
Saudade, ou amor empoeirado?


O Bem Que Não Fui*

O bem que não fui
Quantas vezes repito
O bem que não fui
Quantas vezes repito
O silêncio que não fui
O bem que soube
Quantas vezes não fui
O bem que eu quis
Quantas vezes soube
O bem que não fiz
Quantas vezes não fui
A paz que sonhei
Quantas vezes não fui
O bem que sonhei
Quantas vezes não sei
As noites que perdi
Quantas vezes repito
O bem que não fui
Quantas vezes repito
O bem que não fui


quarta-feira, 15 de abril de 2009

Sete Anos no Tibet*

Dias atrás, terminei a leitura de Sete Anos No Tibet. Foi por acaso que este livro caiu em minhas mãos; não tinha exatamente a intenção de algum dia me dedicar a sua leitura; honestamente, nem mesmo sabia que havia um livro desta história conhecida pelo filme e quando vi Brad Pitt na capa do livro ainda assim não me senti muito atraído, resistindo mais uma vez em me entregar sem reservas a um best-seller (tenho esse medo bobo e involuntário de ser apenas mais um despreocupado consumidor de produtos que possivelmente tenham sido tenebrosamente elaborados para ludibriar e controlar as massas, principalmente quando se trata de algo que considero tanto, como a literatura).

No entanto, poucas páginas bastaram para me envolver e tive muito gosto em continuar a leitura - é dessas que deixam a gente triste e com saudade quando acabam. Embora essa distinção não seja fácil e esteja definitivamente clara pra mim,  não se trata de uma uma narrativa propriamente literária. O próprio autor, Heinrich Harrer, um respeitado aventureiro, faz essa reserva no prefácio do livro e diz que como não tem nenhuma experiência como escritor, se contentará em descrever os fatos. Realmente, é uma prosa essencialmente descritiva - que provavelmente se encaixa dentro do "gênero de aventura", aonde são feitos relatos de grandes e famosas expedições realizadas na primeira metade do século XX - mas nem por isso é cansativa ou penosa; pelo contrário, essa característica ajuda a visualisarmos as incríveis paisagens, situações e eventos descritos possibilitando que compartilhemos da experiência de um modo muito vivo, como se acompanhassemos de perto as peripécias e dificuldades da árdua jornada numa terra desconhecida, rumo à "cidade proibida", em meio a neve e as altitudes extremas das montanhas do Himalaia.

Além de conhecer um pouco mais sobre o Tibet - do qual, na verdade, eu nada sabia -, o que o livro me possibilitou, e o que achei mais interessante, foi poder pensar, com o exemplo de uma realidade específica, em como seria na prática o budismo como religião oficial. Pertencendo à precariedade de uma vida, individual e coletiva, baseada no cristianismo, e simpatizante de conceitos orientais-budistas, sempre fora fácil pra mim imaginar como seria melhor se nossos valores fossem determinados por um outro ponto de vista, menos belicoso, mais harmonioso, pacífico e individual. Mas, como demonstra a cultura tibetana ilustrada no livro, da mesma forma que a igreja católica, o budismo adotado como religião exerce a mesma função reguladora e opressiva na sociedade e no indivído que as outras instituições religiosas das quais tenho notíca, baseando a obediência à igreja e ao estado em crenças supersticiosas, medo, padrões sócio-econômicos, limitações e outros instrumentos do poder.

É verdade que o autor reforça o caráter pacífico do povo tibetano e outros pontos positivos do funcionamento de sua sociedade; e mesmo dentro de uma de suas inúmeras vertentes, o budismo é considerado como uma anti-religião (o que demonstra sua repulsa à institucionalização de seus preceitos), ou uma religião do indivíduo, mas nem por isso deixa de ser evidente os meandros hostis e insuficientes em que a humanidade se organiza a partir de uma religião, de modo que, para mim, continua valendo a sabedoria que ouvi sendo atribuída a Machado de Assis, "Têm pessoas que confundem amor com casamento e fé com religião", que serve bem àqueles que acreditam ser possível buscar um aperfeiçoamento que os torne pessoas melhores, sem com isso estarem necessariamente sujeitos a uma intermediação alheia e obscura, preservando assim uma relativa autonomia de sua consciência.


terça-feira, 7 de abril de 2009

Limpeza Diária*

Sou uma dona de casa frustrada. Mas não dessas que alimentam a cabeça com a filosofia dos programas da tarde. Meu caso é muito mais complexo: sou dona de casa e sou frustrado, o que são coisas bem diferentes - mas que casam bem.
As mocinhas modernas que lêem este texto não me comprenderão; são independentes demais e sabem que o que vale à pena mesmo é estudar, progredir na vida e ser feliz; não poderiam compreender a profundidade íntima dos labores domésticos; se revoltariam por terem de fazer uma faxina em casa e por isso não têm idéia de quão longe vai nossa imaginação com uma bela vassourada pelos cômodos; não supõem a confidência e os benefícios terapêuticos de lavar a louça e deixar a pia vazia e limpa, sem contar a satisfação final de ver tudo em ordem, bem arrumado.
A frustração não faz parte desse dever. O lar é uma vocação que desde cedo se conhece e só tarde se desenvolve. Mas é muito fácil acabar conciliando as duas coisas, hospedar em casa a vontade de algo que está além e quando nos damos conta já estamos na cozinha tomando chá e assistindo a sérias banalidades na companhia indesejada de uma necessidade latente e não realizada que aos poucos compromete o prazer de se dedicar tranquilamente aos afazeres cotidianos.
Dá trabalho cuidar de uma casa, cuidar de si, manter as coisas organizadas, cada uma em seu lugar; custa enfrentar a bagunça, mas tem de ser feito. Todos passam o dia fora e ninguém irá fazer no seu lugar. 
Se deixar a sujeira toma conta, vira um desamor constante, e só você foi o responsável.


quinta-feira, 2 de abril de 2009

Uma Casa Amarela*

Sei bem do que sinto, tanto que não falo - e assim é melhor.
[Nem poderia, como tentar explicar: 
um repouso que fica escondido do lado da maçã e do cantinho do nariz.
Um cheiro, uma casa e as paredes que pintaremos de amarelo. 
[Tudo simples, em ordem.
Decoramos  a sala do amanhã com pouca coisa e muitas flores.

Às vezes tenho vontade de contar, mas sua presença é maior.
[- Saudade só de sentir saudade...
Não preciso pensar, só ouvir: "Boa noite, amor..."

Depois vou construir quarto, telhado - mas com as mãos vazias,
[esperando o tempo.
Vou armar a rede.

É difícil dizer, mas será tudo muito claro. Haverá janelas e luz do dia.

É difícil dizer, mas tens um rostinho...

E casa nada mais é do que carinho.


St. Anger*



O ódio é o contrário do amor? Não, não lhe tenho amor
É forte demais e o que tenho não é
O contrártio da admiração é o desprezo
Não é bom, mas é preciso senti-lo - é santo
É preciso expurgá-lo, sem prazer
Derramá-lo em lágrima e revolta
Em silêncio, como em prece
Até que se torne você
Até que pertença só a você
Até que sua raiva se torne perdão
Livre de quem trouxe à você
O ódio é o contrário de você
É preciso sentir sem medo
O sono não veio e a noite já passou