segunda-feira, 30 de março de 2009

Sub Specie Aeternitatis*

Sub specie aeternitatis...

Não ignorar o tempo;
Tudo dissolvido na vastidão do passado:

- Aveum! Não sou eterno.

Houve um nada e depois outro nada;
Nesse intervalo, uma intermitência.

Poeira dos séculos, esvanecida
Que não se perdeu, tranformou-se

Anitya, apenas impermanente

Em fóssil, soterrado
Memória perecida.


terça-feira, 17 de março de 2009

Communication Breakdown*




Certa vez, alguém, citando um outro alguém, me disse que os mal-entendidos geram mais guerras do que as discordâncias – ou algo assim -: somente um raio-x das minhas entranhas se contorcendo seria capaz de ilustrar essa  minha dolorosa concordância.

E isso também me faz lembrar o quanto somos reféns da linguagem; sabemos que há algo errado, que deveria ser conversado, mas não sabemos o que é e se realmente é, ou como deveria ser falado, comunicado ao outro, e, quando (não) damos conta, já deixamos que o mal-entendido tenha se estabelecido de vez, por preguiça, melindre ou pelo mero prazer da intriga, covardia etc.  – o que me faz lembrar o quanto tendemos à ignorância. Raramente temos capacidade e paciência para saber e entender. Do contrário, não seria norma a triste conclusão “Afirmar é preciso, saber não é. Assim age um tolo.”

Mas, beleza, no final a gente se arrepende – quando muito –, e tá tudo certo, enterrado com o resto das coisas que o tempo cuidou de destruir.

 “It`s always the same!...”

Sucata*

Da varanda de onde moro, tenho vista privilegiada para um ferro-velho. Passei algum tempo revirando minhas idéias à procura de um mote-inspiração, mas a única coisa que parecia servir a este fim me levava necessariamente àquela paisagem de sucatas, assim como nos momentos de lazer e/ou de um cigarro, era levado, involuntariamente, a acompanhar o movimento do dia: muitos caminhões, carroças e pessoas trabalhando e comercializando tudo de metal indesejado que se possa imaginar; caçambas transbordando de latas, fardos de papel, garrafas, solas de sapatos e sandálias e chinelos, etc. Só o que não sabia era como transformar tudo isso em algo minimamente relevante, que expressasse qualquer conteúdo meu, por mais bobo que fosse, mas que desse a mim mesmo uma espécie de ombro amigo, me ajudando a sair de um longo e incômodo silêncio, daqueles que não permitem reflexão e parecem mais algum tipo de estagnação mental.

Pensei em discorrer sobre o caos organizado do lugar, ou sobre nossa miséria e o lixo que produzimos e que também é o sustento de outros; ou ainda sobre o humilde e pesado trabalho no meio de tamanho entulho, mas que é tão digno como os demais. Enfim, nenhuma dessas abordagens me agradou e tenho náuseas só de me imaginar fazendo um daqueles discursos rançosos, como os que fazem a televisão, que exploram e nos convencem do heroísmo e felicidade que há na simplicidade da pobreza. Essa falsa humildade vende bem como produto em programas de domingo, mostra ao pobre que poderia ser pior e ao rico que deve estar contente por não estar naquelas condições; e, no final, todos se sentem satisfeitos com sua própria piedade e aliviados – não sem alguma culpa - por acontecer ao outro.

Mas a honesta humildade, que talvez nem mesmo tenham aqueles que vivem de recolher o lixo dos outros – e que, se pudessem, possivelmente seriam mais um a se comover com o espetáculo da tevê -, não a possui quem simplesmente se submete ao trabalho bruto, nem pratica esmola ou dá caridade; nem mesmo quem a considera um valor e a deseja, buscando em meio à bagunça de um ferro-velho – do alto de um apartamento... Essa profunda humildade, que se parece com um dom, ou uma revelação, daquelas que só uma grande doença pode proporcionar a um paciente terminal, que de repente descobre a fragilidade da vida e por isso pode amar, puramente, sem se preocupar com as banalidades e imbecilidades que, por distração ou fraqueza, considerava importantes ou inevitáveis e o consumiam diariamente, sem se dar conta de que o que precisava realmente era o carinho das pessoas, de tempo para si, dos amigos, da família, da praia... Dessas coisas que todo mundo faz idéia e que dizem alguns livros, filmes e músicas, mas não passam de historinhas bonitinhas que, além de bobas, são distantes e impossíveis na realidade.  Da mesma forma que é impossível transformar sucata em uma palavra amiga, ou surtos de alucinações hipocondríacas que precedem o sono em uma doença fatal que revele e ensine a verdadeira humildade.