domingo, 10 de janeiro de 2010

Jeremíades*

Jeremíades, também conhecido pelo vulgo "Jera", cursou todo o ensino básico e acabou virando catador de latinhas  e entulhos em geral. Nunca teve gosto pela bebida, mas sempre viveu em conflito dentro de casa, por conta de sua "loucura" aparentemente congênita. Não se entendia com pais, irmãos e professores. Preferia perambular sozinho pelas ruas, terrenos baldios, riachos, matagais.

Fugiu de casa quando já era quase adulto. Pegou uma briga de faca com um fulano que maltratava dois burros de carroça. Saiu ferido mas deixou furado o destratante que judiava dos bichos: "Pra que fazer isso com os pobres, seu animal?!"

Viajou por estradinhas e cidadezinhas recolhendo o que poderia ter algum valor e trocando para ter o que comer. Conforme ia se quedando nos lugares, arrumava companhia, mas nunca amigo gente, "tudo uns animais". Criava cinco cachorros, a sua família.

Até que um dia Jera achou um sitiozinho ameno, bem abandonado no meio do interior, e resolveu parar um pouco. Estava cansado de tanta andança por aí - os burros mereciam repousar. Juntou tábuas e papelão, improvisou uma vidinha cotidiana com os bichos e se estabeleceu quieto por ali. Sofreu calado e mudo quando tempos depois adoeceu e morreu um dos seus burrinhos, que atendia pelo nome de Pedrez. Cachorros não faltavam.

Ficou tanto tempo sozinho que, sem preceber, foi murchando sem sofrimento em sua solidão.

Morreu quase velho. Dava pra ver que os bichos sentiram a falta dele. Mas depois foram se perdendo pelos terrenos do mundo. Só o outro burrinho, que atendia pelo nome de Frederico, continuou pastando por ali. Até um dia também murchar de solidão.

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