sábado, 27 de julho de 2013

Sapato Usado*

Há tempos atrás
pendurei minha alma
no muro em frente de casa
como sapato usado
para que alguém precisando
passasse e levasse
pois era algo assim tão acessório
dessas vestis inventadas pelo homem
a fim de eternamente perpetuar
sua vaidade
a qual não me servia
dando mais prazer a caridade
de me desfazer
ao invés de deixar ali guardado
aquele objeto transparente inútil
com a vã esperança de um dia poder usar
em ocasião de gala
e suma importância para tantos
quando o melhor é caminhar descalço
pelo cotidiano.

A Sua Mão*

De um céu
ou quarto escuro
surge a imagem
ou necessidade
de uma mão
nunca estendida
para alcançar
suas lágrimas
tão confusas
e te salvar da angústia.

Lamento dizer,
mas essa mão nunca virá
apenas dias e anos
impiedosos
trazendo a cura
ou a amargura
do esquecimento.

Essa mão
que vem de dentro
não pode te arrastar
trazendo falsas esperanças
explicações possíveis
ou a ilusão de um eterno presente.

Essa talvez seja você
que só encontrará
a paz do encontro
ao encontrar
sua própria mão.

sábado, 20 de julho de 2013

A Caça do Polvo*

(Repost 11.02.08) 

O correto seria dizer "porvo"; ou "poivo". Pois este se escondia debaixo dos parrachos, que são um tipo de formação de recifes.

Um com pedra, outro com ponta de ferro e mais dois caçoando, os pescadores tentavam em vão encontrar o bicho para juntá-lo a seu amigo, que jazia morto em uma lança. Desistiram do astuto, mas continuaram a busca.

Confesso que dos seres que habitam o mar, o polvo desperta-me pouco afeto. Por outro lado, seria eu capaz de tecer uma verdadeira ode ao magnífico camarão. Não obstante minha empatia para com o pobre molusco, resolvi seguir o grupo, de perto, quase longe; contente por participar, ainda que indiretamente, deste evento tão natural, e para mim, tão belo quanto inusitado. E enquanto o fazia, nutria comigo o sonho de avistar um polvo; imaginava a glória de indicá-lo aos pescadores e assim ser promovido à posição de ajudante de caçador de polvo, ao invés de reles observador. O que não aconteceu.

Espectadores que assistiam à passagem da caravana declararam que polvo fica uma delícia com arroz e brócolis; porém, nesse dia, os polvos pareciam não conformar-se com tal destino e permaneceram bem escondidos nos parrachos.

Algum tempo depois, parte do grupo desistiu, parte insistiu um pouco mais na peleja – acredito que sem sucesso.

Abandonei a expedição e prossegui minha caminhada ao sabor de uma brisa, contente com a breve aventura e com planos de investir em outras do gênero.


Almocei camarão.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Trânsito*

(Repost 18.05.08)

Em um jornal da manhã passava uma matéria sobre o trânsito de São Paulo – imagens aéreas, o mar de edifícios, frio, céu fechado. Senti tanta saudade. Sim, é absurdo ter afeto por uma coisa dessas, que só atrapalha a vida do cidadão citadino. Mas a distância permitiu a mim, cidadão longínquo, que sentisse um verdadeiro afeto pelo tráfego mais do que intenso daquelas ruas e lugares pelos quais um dia já estive eu, fatigado e triste por estar preso em congestionamentos, de pé, no ônibus, com outras centenas de pessoas me fazendo uma desconfortável companhia, ou assistindo pela janela – sempre sonolento – a correria do mundo lá fora, cinza e nublado, como muitas vezes estava o tempo do sujeito que olhava cansado do outro lado da janela.

Eu tomava café enquanto assistia ao programa, e sorria - aqueles lugares.

Café foi um gosto que aprendi com minha vó, mas que cultivei com empenho e seriedade em São Paulo. De manhã, no intervalo do almoço, de noite, para aguentar o trabalho e as aulas da faculdade; com chocolate ou cigarro. Bebida amável, e necessária.


Mas, além do café, o paulista também precisa de outras coisas. Pizza, por exemplo. Refeição do cotidiano, bem ajustada à cidade. Ruas. No meio de tão enormes proporções, falar de ruas, localizar-se, também faz parte da cultura de um paulistano. Torna-se um hábito, uma linguagem: subir a Teodoro, que é paralela com a Cardeal – a Capote e Oscar Freire cruzam a Cardeal –, passando pelas Clínicas, Dr. Arnaldo, (saudoso bairro de Pinheiros; bairro no qual desejei morar quando fosse adulto) chegando na Paulista – avenida cheia de vida, atarefada, muitos eventos –, ou seguindo pela Consolação, a Sé – imponente. São tantos caminhos... E trânsitos. A Marginal, Rebouças, Vergueiro, Francisco Morato, não faltam via crucis, das quais me lembro com essa saudade de um caiçara, emigrante litorâneo, que durante algum tempo foi acolhido com a violenta generosidade da tumultuada e apaixonante capital.