segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Nordeste*

(Repost 12.04.08)

Há no horizonte um continente de nuvens.
Almoçamos tainha, peixe em posta,
macaxeira que derrete na boca,
conhecemos os donos e filhos do bar,
somos amigos cordiais,
percorremos pequenas estradas do interior:
o Nordeste é um sentimento
de palavras, costumes, paisagens.

Há no fundo uma gravidade ontológica
a permear o suspiro profundo,
o sincero sorriso de canto,
a tranquilidade de estar.

Há no fundo uma tristeza que não é triste
- que por falta de nome é vontade de amar -
Conhecer muitos lugares, percorrer distâncias
Em busca de nada, uma liberdade congênita
Ter descanso de rede, balançar à meia luz - casa limpa.

Mas ter também regaço de colo, de carinhos
convulsivos, loucos, de união absoluta e impossível.
Aquietar em bom sentir
Sabendo o interessante, desistir dos porquês:
será o dessentir o estado ideal de existir?

Os prazeres não explicam,
o vazio, a natureza,
pois a consciência há de continuar incomodando
mesmo que a vida seja um óbvio
e insignificante caminho para a morte.
Quem sabe quando a paciência for
um verdadeiro gesto natural
certeza de realidade e prática.

Quem sabe assim
Fechar os olhos
A vida passando
A vida passando...

domingo, 24 de novembro de 2013

Causo de Quase Morte*

(Repost 22.01.08)

Morri, por algum tempo. Não lembro de nada, nem fui lembrado: morrer é não lembrar.

Dizem que um rapaz caiu nas pedras. Socorreram-no, verificaram lhe os olhos, o pulso, e pensaram não mais haver vida em meio ao sangue. Talvez eu seja esse rapaz. Ao menos, temos essa cicatriz em comum.

Um amigo sempre que podia me contava o que tinha lido em um livro: que quando estamos à beira de um abismo, escutamos um chamado dele a nos convidar. É possível que eu tenha aceitado o convite.

Fico imaginando meu corpo - ou do rapaz -, triste e sem vida, sobre as pedras, e sinto pena. Não sei bem por que, mas sou capaz mesmo de chorar. Não vejo maior significado em minha morte do que essa comovida tristeza que sinto. Eu teria enfim encontrado o mar.

Lembro-me de outras vezes em que quase morri, por acidente, ou pelo amor que não encontrei, e no fim, resta-me essa comovida tristeza.

A vida insiste.

E o seu filho persiste, mãe.