quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Observatório*

O mundo é o resultado do autoconvencimento. É possível convencer a si mesmo de que se é uma abelha, e sair pelo mundo polinizando amor. Mas, se ao invés disso, o autoconvencimento serve para afirmar a superioridade de si mesmo, daí então surge um líder, funda-se um partido, a população é igualmente convencida, e o mundo vira mais uma vez o palco devastado por uma guerra. É possível justificar qualquer coisa, e o homem possui o dom de criar verdades, através da exímia arte de convencer a si mesmo. Da mesma forma que não existe objeto sem um sujeito, o sujeito que ama vê suas vontades projetadas no ser amado, acabando por amar a imagem criada por si mesmo; da mesma forma que uma flor não é bonita ou feia, sendo apenas um objeto da natureza, os olhos veem nela beleza - o nome que se dá às coisas que agradam os sentidos do sujeito. Assim, é impossível entender o mundo sem que esse seja um reflexo do que achamos dele; o que experimentamos não é nada se não uma extensão da nossa forma de entender o mundo, um objeto sempre recriado de acordo com o ponto de vista do observador. Se este observador é uma zebra, um mundo listrado é criado a imagem e semelhança da zebra que o criou. Se o observador é uma abelha, o mundo estará repleto de maravilhosas flores. Mas, se este observador é o homem, as possibilidades são infinitas: basta que ele se convença de algo para que o mundo se transforme nesse algo, repleto de zebras, abelhas, guerras, amores e o que mais se desejar e puder ser justificado. Os otimistas veem coisas boas acontecendo, os pessimistas veem coisas ruins acontecendo, os ufólogos veem alienígenas pelo espaço, os esotéricos veem energias sendo transmitidas, os espíritas veem almas penando, os religiosos veem deus existindo, os cientistas veem a matéria se transformando... Basta que se convença.

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2 comentários:

  1. Perfeito! Aliás, dois textos unos e coerentes no mesmo dia, tá de parabéns, hein? heheheh

    Eu concluiria suas reticências na última linha de forma muito fácil: "...e nós vemos palavras por todos os cantos, traduzindo todos esses sentidos (sensoriais) e nos explicando a vida em todos sentidos (direções) possíveis."
    Afinal, é disso que são feitos os pseudo-poetas cheio de ânsias em entender o mundo, mesmo usando a metalinguagem para provar a nós mesmos que o nosso mundo nada mais é do que o que estamos convencidos que ele seja.

    Um forte abraço!

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  2. Haha, exacto. Te juro que pensei em continuar essa sequência com algo do tipo "e os escritores veem palavras..." ou coisa que o valha.
    Nós, como ex-futuros linguístas, não conseguimos abandonar este ponto de vista da (meta)linguagem, não é mesmo? Rsrsrs...

    Valeeew!

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