terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Incursão*

Toca o despertador - daqueles antigos, com sininhos. Ainda é noite, mas as luzes de casa já estão acesas: é hora de sair - viajar.

A cidade ainda não acordou, permanece extremamente silenciosa; pessoas e carros raramente passam. As ruas amareladas pela luz dos postes sustentam o céu noturno, estrelado, que lentamente se torna azul escuro, depois claro e logo manhã, dia. O ônibus parte para outro mundo, que começa com muita estrada, primeiro com morros afastados no horizonte da janela e que depois espremem a pista no caminho cheio de curvas rumo ao topo da serra escondida no meio da neblina. De repente, o caminho volta a ser reto e o morro vai ficando para trás, dando lugar a grandes imensidões de pistas, carros, casas, cidades, prédios e barulho, fios e outdoors, fábricas, escolas, muros e mais placas, sinais, faixas e multidões de pessoas.

A outra cidade é um mundo muito maior e mais apertado, totalmente diferente. O ônibus vai, se enrosca e para no trânsito; depois continua, para mais mil vezes, se espreme em ruas estreitas, grandes avenidas. E depois de muito verde, amarelo e vermelho, acaba chegando: num bairro grande feito cidade, com praça amontoada de barracas e gente, e pessoas lotando as calçadas, formigando dentro de lojas, entrando, comprando e saindo. O ônibus ficou parado no estacionamento, descansando enquanto as canelas começavam a suar, correr, andar, parar, subir e descer, voltar, para depois seguir, cansar até antes da tarde chegar, para logo em seguida partir, retornar durante a noite de um dia inteiro fora, reclinando o cansaço na poltrona e cochilando entre os borrões de luzes amarelas e vermelhas que vinham da estrada.

Chegando, a cidade continuava daquela mesma cor amarelada, mas agora preparando para se recolher. Desembarcando, do ônibus para casa e da porta para a cama. Amanhã o dia acordaria já azul, com sol e nuvens. Seria um dia normal, sem viagens e outras cidades. A vida continuaria.

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3 comentários:

  1. Eu nunca fui ao Brás, mas tem algo que me soa familiar: o despertador tocando, eu indo trabalhar com a cidade acordando e voltando pra casa com a cidade dormindo.

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  2. Chegar tarde tem suas vantagens, como ganhar de ano novo um texto de antes do natal.
    I'd like to have written this one.
    Na verdade, talvez seja "incursão" minha, mas acho possível - e talvez plausível – que se misturassem esse texto aos meus - e tirassem o asterisco do título, é claro - eu não acharia fácil exclui-lo da lista. Chama-se inveja, dirão... Eu não discordarei.
    Essa Tunísia do segundo parágrafo, essa Insectopia do terceiro... a primeira imagem do texto: Atlas com o mundo nos ombros. Muito bom.

    E mais não digo – quando eu abro as mãos não paro mais...

    Um abraço,
    E bom 2011.

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