terça-feira, 18 de agosto de 2009

A Primeira Vez*

Aquela era a terceira ou quarta vez que se encontravam. Costumavam marcar uma cerveja no final do dia, o que de certa forma contribuia para amenizar as inibições iniciais entre dois recém desconhecidos, enquanto lentamente se descobriam e criavam intimidade para conversas menos acanhadas.

Depois de pelo menos quatro garrafas, o diálogo já se encaminhava naturalmente, com maior liberdade e espaço para um humor agradável, consumando a alegre afinidade do casal e permitindo trocas de carinho cada vez mais conscientes.

Contudo, num dado momento em que muitos assuntos haviam se esgotado, ao invés dos sorrisos espontâneos, emergiu de suas bocas desejosas um intervalo de conveniente silêncio. Fixaram seus olhares, com a deliciosa curiosidade de quem busca descobrir no outro um pouco mais dessa pessoa estranha e fascinante, através do encantamento que acontece na presença de alguém que se admira - na ausência de palavras.

Ela notou em sua expressão o que achou ser um pouco de tristeza. Talvez ele já estivesse cansado e quisesse ir para casa. (Teria se cansado dela?) Perguntou: "Tudo bem? De repente você ficou com um olhar tão triste... Aconteceu alguma coisa?" "Não, nada", respondeu ele com um leve sorriso.

Lembrou-se da primeira vez em que lhe haviam feito aquela pergunta. Estava deitado em sua cama, sem fazer nada, apenas olhando para o teto. Não tivera aula aquele dia, por causa de algum feriado, e embora não soubesse nada do que sentia, provavelmente estava triste porque não veria a menina de sua sala, por quem alimentava um amor ainda totalmente inexperiente. Seu pai, quando o viu no quarto, quieto e sozinho, aproximou-se e perguntou: "Tudo bem, filho? Você está triste com alguma coisa?" E ele, do mesmo jeito, havia respondido: "Não, nada..."

A bonita mulher, que tão cordialmente continuava o observando, não poderia desvendar nele esse olhar que trazia a marca do que talvez tenha sido o desabrochar do amor em seu peito, e também de sua primeira tristeza, sem saber que tudo o que aconteceria depois em sua vida afetiva seria uma variação desse olhar.

Enternecido por ela, que o fitava ansiosa e que acabara de reconhecer em seu semblante aquele dia escondido no passado, pegou-lhe as mãos, sugeriu que ficassem mais um pouco e convidou-a para que se encontrassem outras vezes.
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5 comentários:

  1. Bité,

    Lindo, lindo texto. Há pessoas que dizem que os olhos são os portais da alma. Realmente, o olhar de uma pessoa pode revelar muitas coisas, desde que saibamos ler. Bonita reflexão sobre o amor, ou melhor, a descoberta dos mesmo em nossas vidas. Ao tomarmos contato com tão paradoxal e rico sentimento, nossas vidas nunca mais são as mesmas. Para o bem (pelo menos eu acredito que na maior parte das vezes) e para o mal (como podemos perceber em muitas histórias amorosas tristes e desencontradas que com certeza já escutamos). Me tocou muito também, nostálgico como sou, o tom de nostalgia presente no texto, quando o personagem lembra-se da passagem em que estava deitado na cama. A reflexão sobre o amor, o tom de nostalgia presente no texto e minha mania de olhar tudo sob uma perspectiva religiosa, gerou em minha mente, neste momento, a reflexão sobre que tipo de sentimento amoroso ainda quero construir na minha vida. A resposta é o verdadeiro amor à Transcendência, a nostalgia é a saudade que tenho de um local eterno, pleno de conhecimento bem-aventurança de onde eu nunca deveria ter saído. Para voltar, preciso construir, ou melhor, carimbar o meu próprio passaporte para lá através da reforma íntima dentro dos aspectos mais cotidianos e comezinhos da minha vida, nas situações mais comuns, como a relatada no texto.

    Abração. Desculpa a minha "viagem". Tenho mania de fazer hiper-leitura, acho.

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  2. Genial por demais, gatsenho!

    O mais estranho de tudo foi me ver olhando pro teto do quarto, mas não só quando eu era inexperiente no "jogo-amor"m mas também imagens muito recentes (incluindo algumas do 44). No fim das contas, o que traz ao olhar essa pitada de nostalgia e até tristeza, enfim, é exatamente a perda da ingenuidade que vem obrigatoriamente carregada, como se fosse um pacote de emoções, junto com as novas paixões e desejos.

    Difícil colocar o amor tão sublime e momentos tão peculiares em palavras, e você o faz com maestria! Um forte abraço!

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  3. Caríssimos,

    Obrigado pela boniteza que o olhar de vocês viu nesse meu texto... Eu sigo pelejando pra melhorar a escrita o quanto puder. Agradeço, por demais, o apoio.


    Abraço!

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  4. Olá meu caro. Desculpa a ausência, estou voltando aos poucos. Rrrsss.
    Muito bonito o texto. Sensível e sutil. Me trouxe um sentimento nostálgico tbm. Parece que as recordações servem para uma nostalgia boa tbm, por isso não senti algo negativo como alguns textos nostálgicos podem induzir. Você está escrevendo muito bem.
    Parabéns.
    Fred

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  5. Bruno,

    Havia prometido voltar mais vezes ao seu blog, mas não tenho cumprido...rsrs...um dia consigo. E consigo começar um novo meu.

    Belo texto. Bem escrito. Sem muitas delongas, já tem bastante aí em cima.

    Abraço.

    Rodrigo

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