domingo, 5 de julho de 2009

Os Outros*

Finalmente, o fim do expediente: cinco horas da tarde de mais uma sexta-feira dos seus quarenta anos de idade.

Até agora havia enfrentado dignamente os trabalhos e os dias ao longo das diversas funções que ocupara em sua vida - mas durante todo esse tempo não conseguira eliminar ainda aquele germe insatisfeito que o obrigava a desejar uma ruptura substancial com um modelo de vida que considerava tradicional e banal demais.

Saiu do escritório e entrou no carro, direto para casa.

No caminho, a idéia de abandonar a cidade e morar em qualquer fim de mundo o sufocava. E a sua família, mulher e filhos? Não, eles não eram o problema; o apoiariam por mais incompreensíveis e penosas que fossem suas vontades. Dinheiro para essa mudança radical também havia o suficiente.

Olhou pela janela do carro e avistou um bar fuleiro na beira da estrada; decidiu parar. Sentou-se num canto do balcão, pediu uma cerveja e olhou para os gatos pingados de rua que acompanhavam um jogo pela tv.

"Largar tudo, ser um ninguém; viver de feijão e farinha, no meio do nada, como bichos, longe dos amigos, sem os eventos que não gostava de ir, sem as facilidades da vida moderna", e principalmente: no verdadeiro isolamento. A vida sendo realmente vivida em sua insignificante, mas preciosa, simplicidade; em sua indiferença como pessoa do mundo, da história; em sua quase inexistência para os outros.

Os outros. Com os quais sempre teve a necessidade de mediação e relacionamento regulados, com receio, cuidado - e carinho.

Seria realmente capaz dessa ruptura? Não, pois não teria mais quarenta anos pela frente para realizá-la - enquanto o germe do ideal insatisfeito irá permanecer, paciente e silenciosamente, corroendo seu interior até que com ele seja enterrado, para depois seguir seu caminho pela terra fértil...

Resignando-se, matou sua cerveja e sorrindo perguntou aos homens: "Quanto tá o jogo?"

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