domingo, 5 de julho de 2009

Aniversário*

"Parabéns para mim", engoliu seco. Quase vinte anos se passaram. E o angustiante era sentir que se as coisas continuassem como estavam agora, os anos passariam, mas nada - ou nada de realmente significante - aconteceria.

O último período no colégio acabara há pouco e à sua frente o futuro era indefinido como uma névoa intransponível. Sentia-se perdido nela, chorando como um menino.

Durante o dia, essa névoa se estendia por seus movimentos incertos, aos quais não conseguia dar um objetivo que o alegrasse de fato.

Esperar que alguma coisa de repente surgisse no caminho e alterasse sua falta de rumo dividia sua cabeça com anseios de fazer qualquer coisa, como viajar, arranjar uma namorada, conseguir um trabalho, comprar um carro. Mas tudo isso era muito fácil de imaginar e difícil de pôr em prática, como ele sabia muito bem, nada cairia do céu.

O que fazer? Era essa a pergunta que o aturdia a ponto de muitas vezes não o deixar simplesmente sair da cama. E se nada acontecesse? Outro aniversário chegaria, mas nada teria mudado, nada o teria completado, ninguém haveria estendido a mão que o levaria de volta ao tempo das tardes de futebol na rua, das promessas de beijo que havia no rosto das meninas da escola, dos sonhos que se realizariam...

Mas nunca se pode saber o que vai acontecer em nossas vidas - desde que aconteça. Pode ser de um dia se topar numa pedra e urrarmos de dor. Pode ser de numa esquina se cruzar um olhar e tudo passar a fazer sentido. Pode acontecer de no futuro a gente olhar para o passado e sorrir.

O relógio marcava a hora de levantar. Arrumou-se, saiu de casa e colocou-se a caminhar, mas dessa vez sem pensar muito no que seria do seu dia. Um passo veio atrás do outro. A única coisa importante era que faria o que tinha de fazer naquele momento: pegar o ônibus, entregar os documentos que sua mãe havia lhe pedido, depois voltar e encontrar com seus amigos.

Já perto de seu destino, dobrou a esquina do quarteirão e não viu a notável pedra que repousava bem diante de seu nariz. Topou nela tão violentamente que desequilibrou-se e não conseguiu conter um terrível grito de dor, traduzido pelo palavreado: "Puta merda!!!"

Das pessoas que estavam próximas, algumas riram, outras se assustaram com o grito, mas houve também aquelas que vieram lhe estender a mão. E uma delas, cordialmente, lhe disse: "Acontece".

.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  2. Acredito que esses seus quatro últimos textos se ligam um ao outro, estruturalmente falando. Já esses últimos três (escritos nos últimos três dias) se ligam um ao outro pelo conteúdo, pois todos falam sobre a insatisfação de seus personagens diante suas vidas: sorrisos fáticos, pensamentos sobre como mudar de vida, angústia em relação ao que fazer .. Esses são questionamnetos com os quais, imagino eu, muitas pessoas infelizmente tenham que conviver. Alguns levam a cabo, mudando radicalmente ( Alexandre Supertramp?), enquanto outros* não. Como alguns diriam : "Acontece". Ou, não acontece.

    ResponderExcluir
  3. "Mas nunca se pode saber o que vai acontecer em nossas vidas - desde que aconteça. "

    Essa frase traduz muito bem minhas "auroras ao meio-dia e meia", depois do mesmíssimo porre moral que me faz pensar exatamente as mesmas coisas que pensava em 2006. A diferença daquela época é que no quarto ao lado havia uma pessoa com a qual eu poderia trocar esses pensamentos e idéias de uma forma que toda a dor da prática sumisse com o remédio das palavras.
    Mas a partir de agora, vou crer como você que o quarto ao lado continua aqui, mesmo há quilômetros de distância, pois bastará abrir esta página.
    Sua interpretação não foi pêlo em ovo não, e me deixa super feliz em saber que ainda consigo fazer outras pessoas pensarem, e eu mesmo pensar.
    Não sei se leu o texto anterior, que é a segunda parte daquele "famoso" texto da tequila... Depois te conto o porquê do "famoso"...

    Quero linkar o seu blog lá tb, como faço?

    Um abraço com a saudade cabível, Gatsenho! =^)

    ResponderExcluir
  4. Rubinho, assim você me faz chorar. Esse porre moral derruba a gente ora sim, ora também, mas podemos contar com a memória e as experiências de vida do 'quarto ao lado', assim como também podemos nos reencontrar nas páginas online das nossas vidas. Nosso trabalho e fazer com que aconteça.

    Fabi, suas observações foram bastante procedentes, embora eu ache que o primeiro desses quatro textos que você relacionou apresente uma diferença importante dos outros, estruturalmente falando, que é possuir um caráter extremamente imagético e descritivo, enquanto os outros se desenvolvem mais narrativamente, com pequenos eventos. Talvez a maior semelhança esteja mesmo nas descrições e nos conteúdos reflexivos e inconclusivos.
    Aliás, como você sabe, seu reconhecimento da 'insatisfação' como essência dos textos me fez tentar um outro tema, talvez o da satisfação, no texto seguinte. Mas de qualquer forma foi importante para que consiga expandir e abranger outros temas.

    Enfim.

    Beijos, gatsenhos e gatsenhas!

    ResponderExcluir