segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Sorria*

Sorria agora, pois em menos de duzentos anos você nunca terá existido. Seus tataranetos não saberão quem foi você. Não restará nenhuma grande obra tua. Nenhum retrato. Nenhuma lápide com teu nome. O tempo terá apagado todos os teus vestígios na terra. Sua vida terá se extinguído junto de tua memória - tudo muito efêmero.

Mas o que terá acontecido com tua nobre alma? A qual lugar maravilhoso ela o terá levado? Como é a vista do alto céu azul? És mais feliz vivendo por cima das nuvens? O que restou do teu corpo, da tua consciência ou de tua personalidade? Conseguistes mantê-la intacta agora que teu ego vive para sempre? Ou será mais uma inocente reencarnação? Viestes em forma de gente, tornasses, enfim, um grande rei, ou nascesses, de novo como outro inseto?

Sorria agora, que posso ver em teu sorriso toda a certeza de quem neste momento está vivo, todo o orgulho de quem existe e faz tanta diferença neste vasto mundo repleto de milhões de outras existências únicas como é a tua. Sorria, pois quando sorri teus olhos estão fechados para o passado antes de ti, tão infinito e tão distante, que no escuro da tua ignorância só a luz de um pequeno futuro tem força para brilhar. Sorria, pois serás tão ignóbil quanto este passado e teu sorriso, um alegre fóssil. Sorria, pois neste teu sorriso está o emblema da soberana natureza, que nunca dá por si; sorria pois quem sorri através de ti é o tempo que tudo destrói, que leva e faz passar, sem nunca recusar a felicidade a quem ignora seu trabalho de apagar, refazer e desfazer mundos, pessoas e certezas, para depois com indiferença soprar o pó das coisas que um dia já foram, e já sorriram.

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Um comentário:

  1. Está no top 5 dos seus melhores, com certeza. Dizer mais do que isso estragaria...

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