domingo, 1 de setembro de 2013

Cabra Homem*

(Repost 16.05.08)

Dizem os especialistas em linguagem que o homem não seria possível sem que se comunicasse e significasse através da magnífica e simples complexidade de uma língua; o que permite atribuir ao esplêndido homus erectus a nobre qualidade de humano, este capaz de alcançar elevadíssimos sentimentos e realizar importantíssimos empreendimentos.

Uma das características que tornam possíveis tais singulares e fabulosos feitos, segundo os especialistas, é a maneira como a linguagem se estrutura, valendo-se de duas articulações fundamentais: a de distinguir uma partícula sonora de outras, como um "p" de um "b", por exemplo, e agregá-las a outras de forma a constituir um significado, "pobre"; e uma segunda que articula a diversidade de significações possíveis a formas restritas, como o infinitivo de um verbo "-ar", que ao mesmo tempo pode ser o "ar", da palavra que respiramos.

Pois eu estaria discordando dessa incrível e supostamente única qualidade, que distingue o homem do animal, o qual tem sua linguagem limitada a pouquíssimos elementos, como "alimento, cópula, localização"; uma abelhinha não pode com seus zunidos dizer a seu parceiro que o ama, ou que as flores daquela tarde de primavera a fizeram lembrar do sabor de um mel colhido há tempos atrás – triste condição de inseto, pensarão os de bom coração – como não poder amar e lembrar?

Mas, afinal, o que tem o homem de tão diverso, necessário e sublime para significar? Por mais que me esforce para ouvir, expressar, conhecer, não consigo encontrar mais do que um vasto – sem dúvida –, mas numerável repertório de palavras e modos de falar para uma meia dúzia de conceitos que vão sendo atualizados e contextualizados ao longo do tempo e do espaço. Tenho mesmo a audácia de dizer – mas não sem algum respaldo de preguiçosamente ter tido contato com algumas reflexões, modernas ou antiquíssimas, do oriente ao ocidente, sobre o que e como é ser esse ente formidável, humano –, que toda discussão mais profunda, e o sentimento mais visceral, podem ser reduzidos, sintetizados, em alguns poucos e grandes conceitos, orientados de acordo com algum ponto de vista: amor-vontade-desejo, morte-impermanência-religião, et coetera...

Por isso acho tão encantadora a conversa das cabras que pastam no terreno atrás de onde moro. Não estarão elas a dizer e considerar as mesmas coisas que nós? Em linguagem de cabra, devem estar a questionar: "Paixão é novidade antiga?", no que eu consinto: "É..."; "Ali tem mais capim", "É..."; "Aquele bode com um chifre só, esquerdo, é o diabo", "É..."; "A Grande Cabra há de nos guiar e salvar!", "É..."; "Ó, como amo, para todo o sempre, a mais bela e alva das cabritas!", "É..."

Muito provavelmente é também devido a toda essa cabritagem que acabo de especular que costumo pouco me espantar com a variedade do gênero dos homens, vindos das mais distantes e inusitadas culturas do globo, que vêm me contar seus causos e histórias, assuntos urgentes, de sujeitos satisfeitos e possuidores de uma alma que os tornam todos muito especiais.


"É..."

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