segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Desencontro*

A viagem de ônibus demorava mais ou menos três horas. Três horas de viagem, sem companhia, observando as paisagens que se seguiam pela janela: planícies, elevações, curvas, descampados, matas, casas simples e bairros pobres. Não se via mar, sendo possível apenas pressenti-lo. 

Em breve chegaria, depois de esperar algumas semanas. Em breve haveria um reencontro, outro reencontro em uma relação feita de reencontros, na qual pouco se viam e muito se falavam. Quantas vezes já não experimentara aquela sensação, misto de expectativa e saudade, mas naquele momento havia algo de diferente nos olhos refletidos no vidro, acompanhando as paisagens. Poderia ser cansaço, talvez fosse tristeza. Não era alegria, nem excitação. No ônibus quase vazio, o silêncio dos corredores se juntava ao barulho dos motores. Um breve cochilo.

Beijos e mãos dadas. Casa. Breves momentos de prazer. Palavras que raramente se encontravam, pouco além de coisas pequenas. Deitados, juntos, experimentava aquela sensação, como se os olhos estivessem sendo mais uma vez refletidos no vidro, mas não havia paisagem do outro lado.

Beijos, abraços e um olhar de adeus. Embora não soubesse, não haveria outro reencontro. Haveriam de se falar, mas nunca estariam novamente deitados um ao lado do outro. Aqueles momentos haveriam de ficar para trás na paisagem, perdidos entre muitas curvas, como a lembrança do mar escondido atrás de casas simples e bairros pobres. Só acordou com as luzes da cidade que a esperava.

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6 comentários:

  1. Ia falar: "Triste". Mas, desisti...

    Rodrigo Lima

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  2. Ia falar: "Familiar". Mas, desisti...

    bruno magaldi.

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  3. Gosto de como o texto é construído - das descrições em pequenos períodos.

    Também gosto da lembrança que me traz ;)

    Ia falar: Daria um belo filme. Mas, desisti ...

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  4. Opa! Antes de mais nada, preciso dizer que 'apreceio' muito os comentários: agradecido, mesmo.

    E o interessante é que cada um deles toca em pontos realmente comuns em meus textos: uma certa melancolia - provavelmente -, as minhas experiências pessoais, memórias (embora não deixe de ser uma tentativa de ficção) e a composição breve - que, ao menos enquanto aspiração minha, leva muito em conta filmes, contos etc.

    Mas o melhor de tudo, sem dúvida, foi a brincadeira dos comentários, interagindo entre si - genial.


    Muito obrigado.
    Por favor não deixem de comentar.

    Abraços!

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  5. Esse "algo de diferente nos olhos refletidos no vidro" está tão bem colocado (quero dizer, diz tanto) que não me deixou desistir de comentar... rs.
    Bom ver que você continua proseando aqui.
    Hermana

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  6. No ponto exato, Hermana. O texto inteiro gira em torno desse olhar, no qual quis representar uma sensação bastante intensa e viva como experiência, mas que é prazerosa justamente por ser vaga, difícil de definir: um olhar reticente, viajando por paisagens, sentimentos, neste momento que acho especialmente propício: um assento de ônibus, e uma janela para escorar a cabeça, rs.

    Valeu, Hermana.
    Sua 'presença' é sempre uma lisonja.



    Respec.

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