Dias atrás, terminei a leitura de Sete Anos No Tibet. Foi por acaso que este livro caiu em minhas mãos; não tinha exatamente a intenção de algum dia me dedicar a sua leitura; honestamente, nem mesmo sabia que havia um livro desta história conhecida pelo filme e quando vi Brad Pitt na capa do livro ainda assim não me senti muito atraído, resistindo mais uma vez em me entregar sem reservas a um best-seller (tenho esse medo bobo e involuntário de ser apenas mais um despreocupado consumidor de produtos que possivelmente tenham sido tenebrosamente elaborados para ludibriar e controlar as massas, principalmente quando se trata de algo que considero tanto, como a literatura).
No entanto, poucas páginas bastaram para me envolver e tive muito gosto em continuar a leitura - é dessas que deixam a gente triste e com saudade quando acabam. Embora essa distinção não seja fácil e esteja definitivamente clara pra mim, não se trata de uma uma narrativa propriamente literária. O próprio autor, Heinrich Harrer, um respeitado aventureiro, faz essa reserva no prefácio do livro e diz que como não tem nenhuma experiência como escritor, se contentará em descrever os fatos. Realmente, é uma prosa essencialmente descritiva - que provavelmente se encaixa dentro do "gênero de aventura", aonde são feitos relatos de grandes e famosas expedições realizadas na primeira metade do século XX - mas nem por isso é cansativa ou penosa; pelo contrário, essa característica ajuda a visualisarmos as incríveis paisagens, situações e eventos descritos possibilitando que compartilhemos da experiência de um modo muito vivo, como se acompanhassemos de perto as peripécias e dificuldades da árdua jornada numa terra desconhecida, rumo à "cidade proibida", em meio a neve e as altitudes extremas das montanhas do Himalaia.
Além de conhecer um pouco mais sobre o Tibet - do qual, na verdade, eu nada sabia -, o que o livro me possibilitou, e o que achei mais interessante, foi poder pensar, com o exemplo de uma realidade específica, em como seria na prática o budismo como religião oficial. Pertencendo à precariedade de uma vida, individual e coletiva, baseada no cristianismo, e simpatizante de conceitos orientais-budistas, sempre fora fácil pra mim imaginar como seria melhor se nossos valores fossem determinados por um outro ponto de vista, menos belicoso, mais harmonioso, pacífico e individual. Mas, como demonstra a cultura tibetana ilustrada no livro, da mesma forma que a igreja católica, o budismo adotado como religião exerce a mesma função reguladora e opressiva na sociedade e no indivído que as outras instituições religiosas das quais tenho notíca, baseando a obediência à igreja e ao estado em crenças supersticiosas, medo, padrões sócio-econômicos, limitações e outros instrumentos do poder.
É verdade que o autor reforça o caráter pacífico do povo tibetano e outros pontos positivos do funcionamento de sua sociedade; e mesmo dentro de uma de suas inúmeras vertentes, o budismo é considerado como uma anti-religião (o que demonstra sua repulsa à institucionalização de seus preceitos), ou uma religião do indivíduo, mas nem por isso deixa de ser evidente os meandros hostis e insuficientes em que a humanidade se organiza a partir de uma religião, de modo que, para mim, continua valendo a sabedoria que ouvi sendo atribuída a Machado de Assis, "Têm pessoas que confundem amor com casamento e fé com religião", que serve bem àqueles que acreditam ser possível buscar um aperfeiçoamento que os torne pessoas melhores, sem com isso estarem necessariamente sujeitos a uma intermediação alheia e obscura, preservando assim uma relativa autonomia de sua consciência.