Eu me lembro de ser pequeno e ouvir
da conversa dos adultos que as dores de quem tinha pedra nos rins eram as
piores dores do mundo, as únicas comparadas às dores do parto, e que não havia
jeito nenhum de fazer com que as terríveis dores parassem. Até homens choravam.
Lembro-me de ter ficado com muito
medo, e de ter desejado profundamente - na época, quem sabe, ter inclusive
pedido a deus - nunca sentir essas dores. Batata: cresci, e tive pedra nos
rins. Confirmei que as dores eram mesmo insuportáveis, e que infelizmente não
havia exagero no que os adultos disseram.
Mais tarde, vim a descobrir que as
pedras nos rins eram tecnicamente chamadas de "cálculo renal". Achei
bonita e elegante a designação técnica, principalmente por ter sido capaz de
reconhecer, com meus parcos conhecimentos em latim, que cálculo, aquele mesmo
das operações aritméticas, queria dizer pedra, e supus então que os matemáticos
de antigamente, não dispondo de calculadoras, faziam contas no chão, ou com as
mãos, usando pedrinhas.
Recentemente, em uma conversa com
amigos, brinquei e disse que eu só fui ter os benditos cálculos renais porque
quando criança eu ouvira desavisado suas assustadoras histórias, e tive tanto
medo que acabei desenvolvendo a doença. Assim como nos advertem algumas das
famosas crendices populares, do tipo: "Não pode deixar a criança com
vontade, senão fica com lombriga". Tive medo, acreditei e me nasceram
pedras nos rins. Talvez a psicanálise chame isso de psicossomatização. Nos meus
tempos de criança, era só verdade.
Enfim, quando contei a história
para meus amigos, eles, com toda a razão, zombaram de mim e da minha hipótese
absurda, no que eu retruquei, participando da graça: "Vocês já sentiram
alguma dor no pâncreas? Já ouviram alguém se queixar de dores no pâncreas? É
óbvio que não, porque ninguém lembra que o pâncreas existe!" Rimos e
concordamos com a teoria. Na verdade, concordamos tanto que, um dia desses, um
dos amigos se encontrava em leve desalento e desabafou dizendo: "É só a
gente não acreditar e tomar cuidado para não lembrar que existe coração, aí a gente
não sofre".
Na dúvida, é melhor não acreditar.
Eu gosto demais desse texto. Apesar do tom de tristeza, existe uma leveza nele. Era um dos meus preferidos do Confraternização *:
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