Memórias, da infância
ou de toda vida, costumam ser um bom mote para crônicas. Estava a ler uma
dessas, que me causou lembranças e vontades de uma do gênero. Reminiscências
são alimento para muito pensamento.
E o que me ocorreu de
contar foi sobre o pé de jambolão do meu bairro, da minha infância. A árvore
era enorme, corpulenta, pertencia a mais de um terreno e seus galhos cobriam
boa parte da rua. As frutinhas eram até gostosas, mas manchavam mãos, roupas,
casas e calçadas, o que era considerado um problema. Não era uma árvore
habitável para molecagens, como as divertidas pitangueiras e o chapéu-de-sol,
mas era bom ouvir os passarinhos que no final da tarde vinham e faziam uma
enorme festa, gorjeando altíssimo. Mas, como não poderia deixar de ser, o tempo
passou, trazendo a modernidade e os negócios, e a árvore precisou ser cortada
para dar lugar ao estacionamento de um supermercado. Soube que no dia houve
manifestações de desaprovação, uma senhora chorou, e eu mesmo quando vi aquele
vazio deixado me senti muito triste, indignado. A modernidade sempre chega;
chegou para aquela árvore e chega para nós, embora choremos e relutemos contra
suas motosserras e asfaltos, contra suas recentes opiniões que vêm incomodar
nosso mundinho já certo em seu erro de ideias bem acomodadas.
Um pouco antes, nessa
mesma época, trocaram os antigos paralelepípedos de concreto - que segundo uns
ajudavam a dar o ar de cidade praiana - pelo asfalto de piche, muito mais
adequado à modernidade. Acompanhei a transformação na companhia de familiares e
moradores, que me contavam sobre inúmeros acidentes de trânsito que estavam
acontecendo. Reparei que a cidade sofria se adaptando à transformação do
asfalto, que trouxera outra velocidade muito mais acelerada à cidade acostumada
ao antigo ritmo dos paralelepípedos e lombadas; agora os pedestres e ciclistas
- vale a pena citar que a bicicleta é o principal meio de transporte da
cidadezinha - tinham que se acostumar e prestar mais atenção com os carros que
agora voavam baixo. Voar é coisa da modernidade. E na modernidade tudo é muito
rápido.
Como na cidade grande,
a metrópole, que é muito filha da modernidade, onde tudo é muito acelerado,
inclusive nós, pessoas humanas, que provavelmente ainda teremos muito que se
acostumar com toda essa velocidade, pois a correria do dia-a-dia não parece
fazer exatamente bem às máquinas com coração e cérebro. Dói, mas também é
bonito de ver, na cidade, as coisas tentando funcionar.
No interior é um pouco
diferente, o tempo é outro, e até o rápido é mais devagar. Anda-se mais com as
pernas, vendo coisas que próprias do interior: pessoas passando a vida na
janela, na porta, em frente de casa, jogando conversa fora com os conhecidos -
ou nem isso. À noite, têm amigos que se reúnem na rua mesmo, para beber, jogar
cartas, alcovitar; para desperdiçar a vida com a tranquilidade dos interiores,
onde o galo acompanha, cuidadosa e seriamente, as galinhas a atravessarem a
rua, e os terrenos são baldios para que as crianças joguem bola e sonhem em ser
grandes jogadores de futebol; interior onde há sempre muito mato para os bichos
e resquícios de uma vida natural, com mangas caindo pelas calçadas e araçás ao
alcance de qualquer fome; e onde é sempre bom manter-se informado sobre a tábua
das marés e a cotação do camarão.
Os interiores são
bacanas; os exteriores também. Há muita modernidade misturada à vida besta, mas
nem sempre tão simples, de vários interiores e lugares; inclusive em Marte.
Nossa tecnológica modernidade sonda até os buracos de outro planeta, é
incrível. Mas é possível que em nosso planeta mesmo mal saibamos o que seja
afinal essa tal de modernidade: talvez seja o visual sempre arrojado dos
jovens, os relacionamentos cibernéticos, novíssimos utensílios domésticos, o bluetooth. De qualquer forma, na
modernidade parece não haver espaço para pés de jambolão; quem quiser ter o
prazer de se sujar com as frutinhas, terá de buscar um interior - mas que vá
rápido!
Olás.
ResponderExcluirAs lembranças gostosas vêm sempre quando acabam com nossas referências de infância. Já passei por isso e seu texto me recordou estes momentos. A "modernidade" que acaba com a natureza me deixa meio deprê. Gosto da modernidade quando ela traz novas possibilidades, potencialidades.
Muito bom.
Parabéns.