Ou O Trabalho de Ezildo*
Ezildo chegara naquele momento do emprego em que se fica preso, atolado no meio do caminho. As perspectivas não eram muito animadoras, o cansaço era enorme e todas as outras tantas consequências, bastante desagradáveis.
Outro dia ficou sem hora de almoço porque tinha muito cliente esperando; quase nove horas aturando seres humanos, colado na frente da tela de um computador – aquela luz azul piscando, força tanto a vista... -, sobrevivendo à base de muito café e ódio ao capitalismo selvagem.
“De todos os males que castigam os homens desde o princípio dos tempos, o trabalho é o pior deles!” O desgaste era tanto que Ezildo chegava a delirar filosofias desse tipo enquanto sorria para os clientes. “Crédito ou débito?”
Queria saber só de casa e banho, cama e mais nada; na sua cabeça, a dor ecoando desde o começo da tarde começava a pulsar mais forte, a ponto de quase anuviar o raciocínio, flash no escuro, tontura, mas sabia que continuava no mundo, graças a uma certeza: tinha um caroço de enxaqueca latejando palpável no fundo dos olhos que estavam sendo pressionandos contra o miolo da sua cabeça.
Depois que piscou forte, sentiu-se mais aliviado, porque seu cansaço era concreto e somente aquilo Ezildo era capaz de sentir. Entregou-se ao cansaço como quem se entrega a um colo de mãe, e durante um momento de claridão foi feliz. (Até uma lágrima, quase invisível, brotou das olheiras de Ezildo, encontrando o canto de seu sorriso.) “Eu vou acordar, eu vou acordar, só mais um pouquinho, porra.”, ele dizia. Ou era o caroço? “Vai se fuder nessa porra!” Nas primeiras vezes, quem estava em volta acudindo fingiu que não ouviu. Mas depois o semblante de Ezildo ficou mais sério e ele disse irritado feito criança: “Essa porra desse trabalho! Vai todo mundo se fuder!” Dessa vez quem estava em volta não teve como fingir que não tinha ouvido. Até Ezildo ouviu e deu por si no chão do escritório, sendo rodeado e abanado, sentindo que alguém enfiava uma agulha atrás de um lado da sua cabeça. “Puta que pariu, que dor de cabeça da porra...”, foi a primeira coisa que ele disse. “Essa enxaqueca vai me matar!”
Mas se matou, não foi daquela vez e nem tão cedo também não foi. O caroço continuou castigando Ezildo, que além de muitos remédios precisou se empenhar ainda mais para evitar falar palavrões toda vez que sentia aquela terrível dor de cabeça durante o trabalho: fechava os olhos bem apertado, respirava fundo e continuava a sorrir mortalmente para toda a humanidade..